quinta-feira, 10 de dezembro de 2009

O Código do Corrupto: Proposta para Regulamentar a Corrupção

Podem argumentar, como muitos certamente argumentarão, que algo de contraditório há nas opiniões do presente escriba, pois, não muito tempo atrás, em um inflamado e mau escrito texto, atacou, cheio de ojeriza e de altivez, a malfadada corrupção. Contra-argumento afirmando que meus argumentos vão ao gosto do instante e que só os idiotas - sim, acho que chamei alguém de idiota - mantém a inabalável certeza de suas opiniões. Contradigo-me, é certo, mas contradigo-me com classe, com graça, com textura. Assim explicado, vou à minha proposta de regulamentar a corrupção em nosso país.
 Em nosso grandioso país, a corrupção é um mal recorrente, no qual muitos concorrentes se batem pela melhor propina. Quantos casos mesmo houve de corrupção nestes últimos anos? Parece que os militares, quando instauraram a ditadura ou, para alguns, ditabranda, conseguiram liquidar os comunistas, mas os corruptos...


 Entra governo, sai governo, oposição vira situação, situação vira oposição, vemos uma corja de desalmados se esbaldar, aves de rapina que rapinam mui bem o nosso tesouro na maior cara limpa, sem medo da verdade e sem vergonha de erro. Sem vergonhas são, com certeza, e ainda sem lei, nem fé, nem rei. Ou antes, um só rei. O Rei da Hipocrisia. De tudo-que-é-bom. Do bônus sem ônus. Ou o único ônus é os trouxas enganar, engabelar e encantar. Sim, somos trouxas enquanto eles são espertos. Eles conseguem o que muitos querem: ficar por cima da carne seca, conseguir do bom e do melhor. O que importa a verdade se são os boatos que mandam? O que importa a moral se vivemos em um espetáculo de imoralidade? Todo mundo quer se dar bem – isso é um fato. E muitos querem se dar bem a despeito da moral. Moral e ética tornam-se apenas uma máscara a ser usada em público. Hipocrisia. Como afirmou um moralista francês, homenagem do vício à virtude.
 Mas não podemos ser ingênuos. Nossa expectativa perante a capacidade moral do ser humano sempre foi muito alta. Também pudera, pois não somos máquinas, nem animais. Somos humanos e queremos acreditar que somos os melhores. Podemos argumentar que, devido aos constantes exemplos de imoralidade dos humanos durante a nossa breve História, os humanos, em geral, não se mostram muito morais e que usam e abusam desse termo para condenar os outros. Um ministro, depois de serem averiguados irregularidades na distribuição de benesses públicas, já afirmou que corrupção faz parte da natureza humana. Não entrarei na querela da natureza versus sociedade. Não afirmo nem nego que o bicho homem tem uma natureza inata ou que a sociedade é que forma a besta humana. No entanto, devido à recorrência desses atos falhos, em todos os lugares, e em todas as épocas, não seria temerário concordar que os homens, em geral, são corruptos, ou, no mínimo, corruptíveis. Vai uma grande diferença entre os dois. Enquanto os corruptos são, por opção, na maioria de suas ações, desonestos por índole ou genética, os corruptíveis são corruptos eventuais que, cedendo à tentação, aceitam a escancarada porta do jogo fácil.
 Pode parecer uma filosofia muito pessimista, mas, creio eu, estou respaldado por alguns filósofos solares como Maquiavel, Spinoza, La Rochefoucauld e Hobbes. Todos grandes otimistas em relação ao ser humano.
 Dessa forma, tentar debelar a corrupção é frustar um tendência inata do ser humano. Não que todos sejam corruptos, mas, pelo menos, todos são corruptíveis. Não em todos os assuntos ou áreas, porém. Gente há que é incorruptível em relação a tudo, com exceção de ser a mais bonita do bar, do baile, da festa, etc. Outras pessoas são incorruptíveis em relação a dinheiro, mas em relação a mulheres do próximo... Políticos são uma espécie do gênero homo corruptus. Normalmente, as pessoas possuem uma alavanca que, se usada, é infalível. Se você se acha incorruptível, parabéns para você. Mas quero ver se você é incorruptível sob pressão. Quero ver se você é incorruptível quando ninguém vê.
 Um exemplo banal. Todo mundo sabe que conduzir e falar ao celular é proibido. Mas muita gente não liga para proibições... Quando um policial vê o indivíduo com celular em uma mão e com voltante na outra, prepara-se para um processo de negociação. É melhor pagar a multa, sofrer os pontos na carteira de habilitação ou simplesmente pagar um pequeno agrado ao guarda? Ou quando ninguém está por perto, e furamos o sinal. Claro que há argumentos para furar o sinal: há muita violência, não faz mal, etc. Mas o principal é que as regras, naquela ocasião, não valeram para nós. E não valeram por quê? Porque, entre o alto custo de ser honesto e o benéfico prazer de infringir a lei, mais valeu esta. E se beber, não dirija... Em nosso cotidiano, vemos o espetáculo da corrupção e olhamos para o outro lado. São como os mendigos que povoam nossas cidades. Melhor fingir que eles não existem...
Várias propostas existem no Congresso para tentar matar a corrupção. Constituinte, Reforma Política, Emenda Constitucional e, até mesmo, tornar a corrupção crime hediondo... Quem até aqui seguiu meu argumento percebeu que são tentativas infrutíferas. São apenas o sintoma da necessidade do brasileiro de transformar tudo em lei. Como se moralidade e ética pudessem ser instituídos por decreto! E, conforme meu argumento, se estamos travando uma luta com uma tendência quase inata do ser humano, nenhuma lei jamais pegará, consoante o dito popular. Vejam bem, contra a corrupção, bastariam as leis já existentes. E bastaria aplicar a legislação vigente. De forma implacável. Mas alguém vê vontade implacável contra a corrupção em alguma parte? Eu não vejo...
Assim, a corrupção é como uma praga. E uma praga que viceja sem nenhum controle ou freio!
Minha proposta é exatamente regulamentar a corrupção. Controlar a praga!
Já que não podemos inteiramente derrotá-la, podemos, pelo menos, tentar controlá-la. Dessarte, proponho um Código do Corrupto, com práticas aceitas e recomendáveis a quem queira praticar tanto a corrupção ativa quanto a passiva. Seria como um Kama Sutra da Corrupção.
O Código do Corrupto não seria para todas as possíveis práticas corruptas (que, como estudamos, pode abranger toda a sociedade), mas sobretudo para as práticas corruptas com o dinheiro público. Nele, poderíamos terminar com uma injusta prática da corrupção de nosso país, o personalismo, pois o nosso corrupto, ao que tudo indica, só pratica corrupção com conhecidos. Com o Código, poderíamos abrir uma nova modalidade de licitação, não prevista na Lei 8.666/1993, mas muito praticada em nosso ordenamento jurídico, a licitação ilícita, que possui mais formas que as licitações previstas em lei, pois, se a lei é uma, o erro é vário. Assim, a licitação ilícita teria uma ampla divulgação, sendo limitada a propina a 10% do valor combinado. Vários corruptos poderiam participar e não somente aqueles amigos do licitante... A propina será dividida de acordo com a quadrilha, pois não é muito recomendável o nosso código se esmiuçar nos detalhes. É bom deixar um pouco para a livre iniciativa.
Além disso, poderemos ainda definir os direitos do corrupto, como o direito de não ser filmado por câmera escondida. Convenhamos que câmera escondida é muita sacanagem com o pobre do corrupto! Uma falta de respeito! Ainda o direito de nada dizer sem a presença do advogado (opa, peraí, esse já existe, não é mesmo?). O de negar tudo. O de contradizer-se livremente. Esses são os direitos negativos. Os positivos seriam o de participar de negociata, o de garantir o sustento da família, o de rir dos trouxas, o de oferecer e receber vantagens entre outros.
Muita gente pode se escandalizar com a proposta, principalmente os corruptos que ainda não foram pegos (pois esses são os principais defensores da moral!), mas, ainda de acordo com a filosofia da fragilidade humana, podemos dar um basta a esse desenfreado bacanal que ocorre à nossa volta!
O fito principal do Código do Corrupto é de instaurar um limite à corrupção que não ultrapasse a fronteira do absurdo, mas que deixe também um tanto de comida para as aves de rapina.
Com certeza, haverá aqueles que quererão roubar mais do que o código permite. Aqui, no entanto, fica mais sanguinária minha proposta, pois um artigo do Código necessariamente deve ser este: 
Art XXX. O corrupto que, por quaisquer meio, ultrapassar os limites deste código será, sem exceção e sem habeas corpus do Supremo, caçado (não cassado, vejam bem), esquartejado, morto (nessa ordem, vejam bem) e exposto em praça pública para que os outros corruptos, observando e vendo (a legislação tem de ser prolixa para ser legislação) o castigo dos super-corruptos, temam e não desejem ultrapassar os limites impostos por esse código.

Esse artigo deve ser inflexível. O primeiro que cometer o desvario deverá pagar! Se não, o Código do Corrupto tornar-se-á apenas outra lei que não pegou...

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